Reflexão

A FÉ NÃO CONSISTE NA IGNORÂNCIA, MAS NO CONHECIMENTO.
João Calvino

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O inimigo de Saul

Em algum lugar no primeiro livro de Samuel encontramos a relação conflituosa entre Saul e Davi. A clareza do texto é inequívoca: Saul via Davi como rival, adversário, inimigo. A ele perseguiu e atormentou. E - ironicamente - Saul esqueceu os inimigos reais, obcecado por um inimigo imaginário, fruto de sua ambição e insegurança.
Tal como Saul, muitas vezes despendemos tempo e energia contra inimigos de faz-de-conta, enquanto nossos inimigos reais se agigantam e nos impõem derrotas e retrocessos na causa do evangelho.
Outro dia, ao ler um e-mail desses que correm a popularizar lendas urbanas virtuais, deparei-me com um que conclama o leitor a não mais verbalizar... o "rá-tim-bum" do parabéns pra você. A admoestação era justificada por uma suposta origem medieval-oriental-persa da expressão que seria usada para evocar demônios e lançar maldição sobre as pessoas. E lá se vai mais uma paranóia seguindo a dos desenhos malditos de Walt Disney e dos bonecos assombrados da Xuxa e do Fofão...
A preocupação com tudo isso deve ser a do efeito inverso: fomos chamados para a liberdade em Cristo, mas ficamos presos a superstições travestidas de santidade e luta contra o pecado, e reduzimos nossa fé e vida abundante a um amontoado cada vez maior de crendices pagãs com roupagem de "evangeliquês", tornando-nos presas fáceis de "simpatias cristãs", "amuletos de fé consagrados" e "pastores-xamãs" que exorcizam de tudo, de cidades dominadas por hostes infernais a geladeiras amaldiçoadas por demônios que não deixam entrar carne no congelador.
É preciso combater o bom combate, e pra isso precisamos conhecer as artimanhas do inimigo, e não nos distrair com inimigos irreais e imaginários. Vamos nos empenhar na luta contra os verdeiros inimigos do evangelho, e não contra os fictícios inimigos de Saul.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Dream On - Aerosmith

Dream On / Sonhe

Every time that I look in the mirror / Toda vez que me olho espelho
All these lines in my face gettin' clearer / Todas estas rugas no meu rosto aparecendo.
The past is gone / O passado se foi,
It went by like dusk to dawn / Passou como o crepúsculo à aurora.
Isn't that the way? / Não é assim?
Everybody's got their dues in life to pay / Todo mundo tem que pagar suas dívidas na vida.

I know, nobody knows / Eu sei que ninguém sabe
Where it comes and where it goes / De onde vem e para onde vai.
I know it's everybody's sin / Eu sei que é o pecado de todo mundo
You got to lose to know how to win / É preciso perder para saber vencer.

Half my life's in books' written pages / Metade da minha vida está escrita em páginas de livros.
Lived and learned from fools and from sages / Vivi e aprendi dos tolos e dos sábios.
You know it's true / Você sabe que é verdade,
All the things / Todas as coisas que você faz
Come back to you / Voltam para você.

(2x) (2x)
Sing with me / Cante comigo
Sing for the year / Cante pelos anos
Sing for the laughter n' sing for the tear / Cante pelo riso e cante pelas lágrimas,
Sing with me / Cante comigo
If it's just for today / Se for apenas por hoje,
Maybe tomorrow the good lord will take you away / Talvez amanhã o bom senhor a levará.

(3x) (3x)
Dream on / Sonhe

Dream until your dream comes true / Sonhe até que seu sonho se realize.

(3x) (3x)
Dream on / Sonhe

And dream until your dream comes true / E sonhe até que seu sonho se realize.

(7x) (7x)
Dream on / Sonhe

(2x) (2x)
Sing with me / Cante comigo
Sing for the year / Cante pelos anos
Sing for the laughter n' sing for the tear / Cante pelo riso e cante pelas lágrimas,
Sing with me / Cante comigo
If it's just for today / Se for apenas por hoje
Maybe tomorrow the good lord will take you away / Talvez amanhã o bom senhor a levará.

Save a prayer - Duran Duran

Save a prayer / Reserve Uma Oração

You saw me standing by the wall, / Você me viu parado junto ao muro
Corner of a main street / Na esquina de uma rua principal
And the lights are flashing on your window sill / E as luzes piscam na sua janela
All alone ain't much fun, / Sozinha não tem muita graça
So you're looking for the thrill / Por isso você busca excitação
And you know just what it takes and where to go / E você sabe o que é preciso e onde ir

Don't say a prayer for me now, / Não faça uma oração por mim agora
Save it 'til the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte
No, don't say a prayer for me now, / Não, não faça uma oração por mim agora
Save it 'til the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte

Feel the breeze deep on the inside, / Sinta brisa lá no fundo
Look you down into the well / Lá dentro, procure por você
If you can, you'll see the world in all his fire / Se puder, vai ver o mundo em todo o seu fogo
Take a chance / Arrisque uma chance
(Like all dreamers can't find another way) / (como todos os sonhadores não conseguem encontrar outra maneira)
You don't have to dream it all, just live a day / Você não precisa sonhar com tudo,apenas viver o dia

Don't say a prayer for me now, / Não faça uma oração por mim agora
Save it 'til the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte
No, don't say a prayer for me now, / Não, não faça uma oração por mim agora
Save it 'til the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte
Save it 'til the morning after, / Reserve-a até a manhã seguinte,
Save it till the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte

Pretty looking road, Rua bonita,
try to hold the rising floods that fill my skin / eu tento segurar a enchente em alta Que preenche todos os poros de minha pele
Don't ask me why I'll keep my promise, / Não me pergunte porque, manterei minha promessa
I'll melt the ice / Derreterei o gelo
And you wanted to dance so I asked you to dance / E você quis dançar Então te convidei para dançar,
But fear is in your soul / mas há medo em sua alma
Some people call it a one night stand / Algumas pessoas chamam de transa de apenas uma noite
But we can call it paradise / Nós podemos chamá-la de paraíso...

Don't say a prayer for me now, / Não faça uma oração por mim agora
Save it 'til the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte
No, don't say a prayer for me now, / Não, não faça uma oração por mim agora
Save it 'til the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte
Save it 'til the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte
Save it 'til the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte
Save it 'til the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte
Save it 'til the morning after / Reserve-a até a manhã seguinte

Save a prayer 'til the morning after Reserve uma oração até a manhã seguinte

Yeah - Answer

If God had a name what would it be? / Se Deus tivesse um nome, qual seria?
And would you call it to his face? / E você chamaria ao rosto dele?
If you were faced with Him in all His glory / Se você se deparesse com Ele e toda sua Glória
What would you ask if you had just one question? / que perguntaria se tivesse apenas uma questão?

1-And yeah, yeah, God is great / E sim, sim Deus é grande
Yeah, yeah, God is good / Sim , sim ,Deus é bom
yeah, yeah, yeah-yeah-yeah / Sim, sim, sim, sim, sim

What if God was one of us? / Se Deus foi um de nós?
Just a slob like one of us / Apenas um mal educado com um de nós
Just a stranger on the bus / Apenas como um estranho no ônibus
Tryin' to make his way home? / Tentando fazer seu caminho pra casa?

If God had a face what would it look like? / Se Deus tivesse um rosto, com o que Ele pareceria?
And would you want to see if, seeing meant / E você iria querer ver se, vendo que foi feito
That you would have to believe in things like heaven / Que você teria de acreditar em coisas como O paraíso
And in Jesus and the saints, and all the prophets? / E em Jesus e os santos, e todos os profetas?
(repeat 1, 1)

Back up to heaven all alone / Volte ao céu totalmente só
No, nobody calling on the phone / Não, ninguém está ligando no telefone
No, just tryin' to make his way home / Não, apenas tenta fazer seu caminho pra casa
Nobody calling on the phone / Ninguém liga no telefone
'Cept for the Pope maybe in Rome / Aceito pelo Papa talvez em Roma

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Construção

Construção
Chico Buarque

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Para uma análise da música, veja
http://letrasdespidas.wordpress.com/2007/07/12/chico-buarque-construcao/

Fátima

Fátima
Capital Inicial
Composição: Flávio Lemos, Renato Russo

Vocês esperam uma intervenção divina
Mas não sabem que o tempo agora está contra vocês
Vocês se perdem no meio de tanto medo
De não conseguir dinheiro pra comprar sem se vender
E vocês armam seus esquemas ilusórios
Continuam só fingindo que o mundo ninguém fez
Mas acontece que tudo tem começo
Se começa um dia acaba, eu tenho pena de vocês

E as ameaças de ataque nuclear
Bombas de neutrons não foi Deus quem fez
Alguém, alguém um dia vai se vingar
Vocês são vermes, pensam que são reis
Não quero ser como vocês
Eu não preciso mais
Eu já sei o que eu tenho que saber
E agora tanto faz

Três crianças sem dinheiro e sem moral
Não ouviram a voz suave que era uma lágrima
E se esqueceram de avisar pra todo mundo
Ela talvez tivesse um nome e era: Fátima
E de repente o vinho virou água
E a ferida não cicatrizou
E o limpo se sujou
E no terceiro dia ninguém ressuscitou

No Caminho, com Maiacóvski - Eduardo Alves da Costa

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiacóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA !

O Corvo - E. A. Poe

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!

Fernando Pessoa

* Traduzido de The Raven, de Edgard Allan Poe, ritmicamente conforme com o original.

Perguntas de um operário que lê - Bertolt Brecht

Perguntas De Um Operário Que Lê.

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilònia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sòzinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitòria.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas